Resenha | A Caça (Jagten - 2012)



Já é de tempos o conhecimento do poder de um boato. É capaz tanto de melhorar vidas como arruiná-las. E recentemente, como ocorrido no Guarujá, até mesmo acabar com elas. Foi o caso da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 31 anos, que morreu após ser linchada por moradores de uma comunidade no litoral de São Paulo. Foi brutalmente agredida após ser acusada de sequestrar crianças, para a realização de ritos de magia negra, através do suposto reconhecimento de um retrato falado da verdadeira sequestradora veiculado em redes sociais.
Acontece que tudo indica que Fabiane era inocente.
E agora Inês é morta.

Casos como este foram ilustrados diversas vezes no cinema. Em 1961, William Wyler contou, em seu filme "Infâmia", a história de duas administradoras de um internato para meninas que, após um boato (que não procedia) espalhado por uma das alunas, são tachadas de lésbicas (reforçando a época em que o filme fora feito, tal acusação era terrível). Aos poucos, o colégio fica vazio pois as mães não aceitam que suas filhas sejam educadas por um casal homoafetivo. Nos papeis principais, Audrey Hepburn e Shirley MacLaine.






"As Bruxas de Salém", de Nicholas Hytner, também aborda o tema. E detalhe: é baseado em fatos reais. Em 1692, uma empregada realiza rituais de voodoo nos quais várias meninas da aldeia se envolvem, são descobertas e acusadas de bruxaria. Então o grupo começa a acusar diversas pessoas de envolvimento com feitiçaria, sendo executadas mais de 20 pessoas.

Assim também se desenvolve o longa "Dúvida" (2008). A fim de resolver diferenças com um padre em uma escola rígida do Bronx na década de 1960, a freira diretora do local começa uma cruzada moral contra este baseada em inúmeros boatos infundados.






Porém o exemplo que eu gostaria de tomar como comparação é o longa "A Caça" (Jagten - 2012) do dinamarquês Thomas Vinterberg. Estrelado pelo novo-astro Mads Mikkelsen (de Hannibal, O Amante da Rainha e Fúria de Titãs) o longa nos apresenta Lucas, recém divorciado e sofrendo pela perda da guarda do filho que trabalha em uma creche. Extremamente atensioso com as crianças, tem gosto em agradá-las e possui uma relação de amizade com as crianças. Uma delas é Klara, filha do melhor amigo de Lucas, Theo.

Acontece que Klara, de 8 anos, influenciada pelas brincadeiras de mau gosto do irmão mais velho, insinua para a responsável da creche que foi molestada por Lucas, que supostamente teria lhe mostrado suas partes íntimas. A partir daí, partindo do pressuposto da inocência infnatil e de que crianças não mentem, toda a cidade passa a declarar guerra contra Lucas, que é inocente, expulsando-o de estabelecimentos e até mesmo partindo para atos agressivos. 














É impossível assistir ao filme sem sentir-se terrivelmente incomodado. O desconforto é generalizado após certas cenas pois mesmo quando Klara tenta reparar seu erro todos recusam-se em acreditar nela. Preferem acreditar em um boato, ainda que não seja provado, do que numa possível verdade.
A crítica ao comodismo e senso de justiça deturpado da sociedade é tremenda, assim como mostra que um erro pode ser irreparável.

E numa realidade onde cidadãos agora amarram assaltantes em postes nus como forma de defesa fica a questão: deve a sociedade julgar e condenar por conta própria?
Como ilustrado por uma repórter inglesa Daisy Donavon, em reportagem sobre o conteúdo televisivo brasileiro, a violência é explorada como entretenimento (sim, refiro-me à Datena, Brasil Urgente, Linha Direta, caso Nardoni, caso Bernardo, caso isso caso aquilo) e exibida até a banalidade. Atos agressivos tornam-se comuns, banais, normais. 

Violência não é normal! Sensacionalismo sobre a mesma também não! 
Essas práticas impensadas de violência são reflexos de uma sociedade revoltada. Em todos os aspectos: desde a classe mais pobre, que cresce assistindo na televisão que só é feliz aquele com o carro do ano e dinheiro no banco, porém não consegue pagar o aluguel da sua casa no subúrbio; até a mais abastada, que indigna-se por pagar com trabalho seu carro de luxo e este ser tomado por marginais durante a ida para casa.

O fato é, a questão é bem mais delicada do que apontar culpados e inocentes. Quem estaria certo, o rapaz de classe média que ao ser assaltado age por conta própria já que a polícia é ineficiente ou o ladrão que rouba por ser marginalizado (deixado à margem)?

Acho que a maior metáfora, um resumo de praticamente todas as situações parecidas com esta é a cena final (e uma das mais significativas, atrás apenas do olhar profundo de Mikkelsen na igreja).
Após um certo tempo, uma falsa impressão de paz envolve Lucas, sua família e os moradores da cidade. Porém, certo dia, ao caçar, ele quase é assassinado por um tiro de rifle em meio à mata. Vira-se, procurando o autor do disparo, porém apenas um borrão é visível. Nenhum rosto.

E é isso que os pais de Klara, a cidade, os moradores do Guarujá, nós, somos. Atiradores sem rosto no meio da floresta.




Coloquei aqui a cena final, porém eu REALMENTE aconselho que não vejam apenas esta mas sim o filme todo. Vale muito a pena.
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